Thursday, August 12, 2010

A licitação do Cais Mauá e pontos preocupantes

É motivo de preocupação a maneira como a licitação do Cais Mauá está sendo apresentada e divulgada; como está sendo conduzida e, principalmente, como está redigida.

Para o choque geral da nação de profissionais interessada no assunto, o documento da licitação disponível para download no website do governo está incompleto. Faltam anexos ao qual se refere o texto no corpo do documento. Como que isso ocorre? Como empresas vão participar se toda a informação não está disponível? Se não é suspeito, é, no mínimo, relapso. O estudo feito pelo governo também não está incluído. Onde está? Por quê não está lá, tudo junto? Mandei essa pergunta aos órgãos competentes. Não houve resposta. A função dos órgãos públicos é facilitar o acesso à informação e não forçar os participantes a percorrerem num labirinto de emails e pesquisas de google.

Mesmo sabendo português, achar o texto no site é uma manobra de clicks. Uma competição dessa importância deveria ter um website próprio, ou, no mínimo, um ícone na primeira página dos sites dos órgãos envolvidos que levasse diretamente a todos os documentos, incluindo as leis.

Vem a questão da divulgação: algo que é difícil de achar, não está sendo devidamente divulgado. Tanto que empresas em outros Estados nem sabiam da existência da licitação. O que dizer então da divulgação internacional? A declaração do governo em entrevistas na imprensa, que a competição atingirá os quatro cantos do planeta, não é suportada tecnicamente.

Segue outra preocupação: a maneira como está sendo conduzida. Fiz uma pergunta simples: “Em se tratando de uma licitação internacional, onde está a versão oficial em inglês?” Levaram dois dias para responder que não tinham resposta. E iam ver… Até hoje, nada.

Primeiro, o governo precisa entender que nos negócios internacionais o tempo máximo de resposta a emails é 24 horas e, preferencialmente, a metade disso. O serviço está ineficiente, especialmente num prazo de competição tão curto.

Segundo, a língua é uma barreira de entrada. Competição que se diga internacional deve estar totalmente divulgada em, no mínimo, duas línguas: a nativa do país e em inglês. O próprio site do CECOM para o download não tem tradução em inglês. Como que empresas dos quarto cantos do planeta vão descobrir e ler sobre a licitação? Se não suspeito, é inexperiente. Ou talvez a definição do governo de internacional seja passando a fronteira com o Uruguai ou Argentina… pois nos entendemos com o “portuñol”.

Inglês, neste caso, não é a língua dos americanos. É a língua dos negócios internacionais. Não só a licitação, mas todos os documentos, leis e plano diretor devem estar em inglês. Limitar a oferta em português, é limitar a fonte de recursos de investimentos. É um nacionalismo de visão curta. Também as dúvidas ao texto (rezando para que sejam respondidas) devem ser feitas em português. Quantas empresas no mundo têm staff que fala português? Isso fora a burocracia de que documentos em outras línguas devem ser traduzidos por tradutor juramentado e autenticados no consulado brasileiro local. É simplesmente absurdo… Se os negócios internacionais funcionassem assim, o mundo giraria à velocidade de tartaruga. Bastava fazer o inglês a língua oficial, juntamente com o português, para que tudo isso fosse evitado. Será que a China organizou os projetos dos jogos olímpicos em chinês?

Mas de cair o queixo mesmo é a redação. Para a esperançosa população, especialmente os arquitetos, pelo melhor projeto arquitetônico, urbanístico e paisagístico, o texto é assustador. Claramente na página 6, define-se quem ganhará a competição: “[...] declarando vencedora a Licitante que oferecer o maior valor anual do arrendamento ofertado”. Simplesmente falando, é um leilão. Sim, existem requisitos, estudo de mercado, tipos de negócio, valor mínimo do investimento, etc. A arquitetura? Sim, está lá também, sem nenhuma ênfase especial… Na verdade, o estudo técnico é o que menos importa, tem o menor peso em pontuação (ver página 79). Estes são apenas itens de qualificação a concorrer… Money é o classificador final.

Money não é ruim, porém pode tornar-se uma faca de dois gumes quando usado na ordem errada. Em arquitetura, a ordem dos fatores altera o produto. A Licitação do Cais deveria ser feita em duas etapas: primeiro a concorrência do projeto arquitetônico e depois, em competição separada, quem iria explorá-lo economicamente.

Desta maneira, um arquiteto não vinculado a nenhuma das partes tem melhores condições de equilibrar todos os interesses, mas principalmente enfatizar o interesse da comunidade. A atual proposta, por exemplo, já apresenta vários pontos técnicos questionáveis que não atendem a uma visão de desenvolvimento da cidade no futuro (como as garagens e conseqüências no trânsito, só para citar um).

As outras vantagens de se realizar uma competição arquitetônica é a economia e o grande número de opções de design que gera: os custos do estudo correm por conta dos concorrentes e não teríamos hoje só uma visão, mas várias dezenas delas. O atual estudo de proposta arquitetônica foi uma perda de tempo e dinheiro; uma decisão administrativa que em outras cidades do mundo jamais ocorreria.

Para a população, neste momento, a sua melhor defesa é a educação. Da maneira que o texto prescreve, um projeto arquitetônico de nota 7, pode, tranqüilamente, ganhar a concorrência. E ai… torçamos para que isso não ocorra, mas apenas a opinão pública atenta, culta, altruísta e unida poderá se posicionar firmemente pela melhor alternativa, o projeto nota 10.

Para saber o que é um projeto nota 10: ler, ler e ler sobre crítica e ensino em arquitetura. Ler sobre sobre arquitetura e influência econômica e cultural; ler sobre urbanismo versus economia e sociologia; ler sobre paisagismo; ler sobre projetos semelhantes de revitalização de rios e lagos urbanos; ler sobre engenharia de trafego e hidrologia, etc, etc. Enfim, mergulhar no assunto, para poder questionar e discutí-lo. Porto Alegre é culta. Esta é uma ótima oportunidade de se usar esta qualidade em seu próprio favor.

Que essas preocupações sejam dissipadas no resultado final. Que apenas alertem para que vença, realmente, o melhor.