O texto da licitação foi deficiente. Na questão da
acessibilidade, por exemplo, não houve citação de nenhuma norma ou código a ser
seguido. Como avaliá-la sem parâmetros? Se não existe uma norma específica
brasileira para o assunto, o ADA (American
Disabilty Act) deveria ter sido incluído e exigido. Assim como o critério
LEED (Leadership in Energy and
Environmental Design), o ADA também foi desenvolvido para ser aplicado
universalmente. As pessoas que virão para a Copa e Jogos já estão acostumados a
conviver com o ADA. Na verdade, eles esperam encontrá-lo no Brasil. Será uma
frustração muito grande se isso não acontecer.
A acessibilidade, para deficientes físicos, idosos e transporte de
carrinhos de crianças deve ser entendida por todas as culturas de uma mesma
maneira simples, assim como a linguagem/esquema/fluxo dos aeroportos
internacionais é a mesma. Se não fosse, seria extremamente complicado mover
culturas diferentes neles, as pessoas se perderiam.
A pontuação para arquitetura e
urbanismo (RS, p. 79), além de peso baixíssimo, foi sem sentido. Façamos uma
comparação com um aeroporto novamente, sendo 100 pontos a nota máxima: se o aeroporto
(urbanismo) fosse mais ou menos, nota 70; se a rampa até avião (acessibilidade)
fosse ótima, nota 100; mas se o avião (arquitetura da edificação) não voasse,
nota 40, a proposta qualificava. Ãh? Isso mesmo, pois atingia 70% na média dos
três itens, ou seja, um aeroporto onde você chega até a poltrona do avião, mas não
sai de lá.
Se eu fosse parte dos críticos a avaliar a proposta, a minha nota para a
arquitetura da edificacão seria 20 e a do urbanismo 40. Quanto à acessibilidade,
é necessário ver os documentos gráficos, mas só com as duas primeiras o projeto
já não passava.
Entre
os defeitos administrativos faltaram os anexos. Incompetência premeditada? Só
esse fato, aqui nos Estados Unidos, já justificaria o cancelamento da
competição. A informação não pode ser acessível a alguns (os que elaboraram a
proposta e participaram) e não a todos.
A divulgação internacional foi
precária: texto em português e nossa herança à complicação. A burocracia: de
que cada documento em língua estrangeira fosse autenticado no consulado e
traduzido por tradutor juramentado (RS, p.23). E nem se atreva a mandar uma
pergunta que não seja em português, pois não haverá resposta. Provavelmente o staff do governo não fala inglês. Falta
de visão? Ou achar que o mundo deve falar a nossa língua?
A primeira coisa que pensei depois de imprimir o edital: “Como que eu vou
divulgá-lo e convencer os profissionais daqui com esse texto em português? Vou
ter que traduzir tudo isso?”. Felizmente, em Miami 65.8% são latinos (U.S. Census Bureau), a maioria das
pessoas fala espanhol e há muitos brasileiros. Mas Miami é uma exceção, isso
não seria o mesmo num escritório na Rússia ou Alemanha.
Como se não bastasse, o
vencedor teria que pagar o custo do estudo, mesmo que não fosse mandatório
utilizá-lo. Valor: R$ 700.000,00 (RS, p.40). Numa competição, ninguém é insano de
usar a proposta conceitual do concorrente. Era como uma “multa”. O participante
já iniciava em desvantagem financeira, pois além do custo de desenvolver a sua
própria proposta teria que pagar também o custo da proposta do estudo, mesmo
que fosse para jogá-lo no lixo. Entende-se o absurdo?
O estudo foi totalmente desnecessário,
uma perda de tempo e dinheiro. Tornou-se uma ferramenta de influência popular.
Estudos técnicos, de viabilidade ecônomica, impacto ambiental e outros são
cabíveis, porém quando se contrata um arquiteto, cabe a ele/ela propor soluções
e não ao cliente pré definí-las. Cabe ao cliente definir programas (funções),
critérios de design, etc, mas não
sugestão de resultado final. É como o paciente dizer: “Eu preciso de cirurgia
no coração”. Não cabe a ele definir o diagnótico, mas ao médico. Não cabe ao
Estado definir o projeto conceitual, mas a cada um dos arquitetos participantes
da competição. Se existem exigências legais de ser feito, a legislação está
inadequada, não foi elaborada por quem entende de processo arquitetônico. O perigo do estudo arquitetônico ser
apresentado antes do resultado final da competição é que engessa a mente da
comunidade e dos políticos para outras opções.
Há uma distorção na noção de tempo de que esse tipo de licitação e
projeto devem se arrastar por anos, décadas. Não, as coisas devem ser
resolvidas rapidamente, em todas as esferas: jurídicas, legislativas e
construtivas. Se o Cais é federal ou estudal, o cidadão quer resultados. O próprio
Lerner, na sua palestra no 54° Congresso Mundial da IFHP na PUC, em novembro de
2010, onde o Cais estrategicamente não entrou, o que me chamou a atenção foram
os prazos de concepção, desenvolvimento e construção dos projetos em Curitiba:
MESES!
“Três anos para a mudança de uma cidade”, declara Lerner no congresso.
Para isso é preciso “vontade política, visão solidária e estratégica”, continua
ele. Nesse sentido sua eficácia administrativa é bem norte-americana: Just do it, the right way and right away.
Lerner é um fantástico administrador, um excelente comunicador, um estrategista
e extremamente criativo em soluções de gestão não ortodoxas. Que o contratemos para liderar a
revitalização do Cais e não para desenhar o Cais.
Definitivamente essa licitação não foi formulada para novos entrantes,
forjando favoritismo. Foi injusta, não transparente, técnica e
administrativamente incompetente. Daí o resultado pobre, forçando a população a
crer que precisa aceitar uma única idéia, uma única proposta, porque ninguém
mais é capaz ou interessado em competir.
Apoiar essa proposta é tolerar
esse comportamento político–administrativo sempre abaixo das expectativas.
Basta.
Noivos e Cais ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usada com permissão.
3. Valores altos demais
Sim, há empresas que podem bancar R$ 350 milhões de reais (mínimo
exigido na licitação), mas questiono se esse valor é realmente necessário. O
valor alto foi um empecilho a mais. Entretanto, uma construtora que contatei considerou
o Cais Mauá um porto pequeno demais para investir… Ás vezes eu sentia como ter
o sapatinho de cristal da Cinderela nas mãos: precioso, mas grande para uns, pequeno
para outros. Eu precisava achar, urgentemente, a empresa certa.
Em orçamento de obras, se não há problemas estruturais e nem de
fundações, se não há equipamentos mecânicos sob medida, como elevadores,
escadas rolantes, etc, os custos de recuperação não são astronômicos. A própria
licitação informava que os armazéns e prédios estão em condições gerais regulares.
O peso pesado dos investimentos nesta proposta não está em recuperar as
estruturas históricas, mas sim na construção do shopping e das torres.
Veja a tabela abaixo. Apenas para uma estimativa preliminar… Se usarmos
o CUB (custo unitário básico) de novembro deste ano para atividades comerciais
em padrão normal… Na verdade, o que temos são galpões, com um CUB ainda mais
baixo, mas vamos fazer de conta que nossos estabelecimentos serão mais
sofisticados. Se fôssemos construir todas as estruturas do Cais do zero, sem
incluir o custo das fundações, das áreas externas, despesas de projetos, etc, precisaríamos
de uns R$ 44 milhões de reais. Como é recuperação, vamos dizer que custem uns
60% disso, o que é uma estimativa alta visto que a maioria das estruturas está
nos trinques. Então, estamos falando de uns R$ 27 milhões.
Ainda que precisemos mais alguns milhões para paisagismo,
pavimentação, mobília externa, iluminaçao, etc… nem de longe são R$ 350
milhões.
Porto Alegre não precisa desse
dinheiro todo para revitalizar o Cais.
Tabela 2:
Valor estimado de recuperação das edificações existentes no Cais Mauá, Porto
Alegre, com base nas áreas publicadas no Edital de Concorrência (RS, 2010) e
CUB novembro 2010.
A imprensa divulga que os “vencedores”
farão investimentos de R$ 400 milhões (Favero, 2010). Ok, mas qual é o breakdown desse investimento? Qual o
percentual que está sendo investido no Cais histórico, no prédio das docas, em landscape, no muro e em infra-estrutura
destes itens contra o que está sendo investido nas torres e no shopping? Essa informação é de suma
importância e a população tem o direito de saber.
Tabela 3:
Tabela a ser preenchida pelos “vencedores”. Qual o breakdown do investimento?
Se existe todo esse recurso privado para investir, que adquiriram as áreas
do entorno, as muitas estruturas dilapidadas e até mesmo vazias. Que ali
sintam-se livres para desenvolverem os seus “marcos arquitetônicos” como desejarem
e não em terra pública. E quiçá revitalizem o Cais como é, sob troca de benefícios
em impostos por melhorias no espaço público ou mesmo doações, o que valorizará
seus próprios prédios.
Figura 1:
Prédios abandonados e terrenos baldios: potencial a ser explorado. Vistas do
Cais para a Avenida Mauá.
Não sou contra ao
desenvolvimento imobiliário, mas o inteligente e consciente, o que sabe que
melhorar as condições urbanas e ecológicas tem retorno sobre o próprio
investimento da edificação e aumento da qualidade de vida da sociedade.
Por exemplo, a Escadaria Espanhola (Scalinata
della Trinità dei Monti) em Roma: a escada é puramente design arquitetônico urbano
que proporciona o “teatro público”, tornando o espaço vivo e gerando valores
intangíveis.
A arquiteta, professora e pesquisadora Dr. Gray Read da Florida
International University analisa o sucesso de espaços públicos relacionando-os
com settings teatrais. Exemplos de
espaços vivos no mundo caracterizam-se por uma multiplicidade de ações humanas
concorrentes; o “ver-e-ser-visto” e as interações. A função da arquitetura é
dar condições para que esse palco exista sem exatamente determinar exatos
programas, mas infinitas performances.
“Cada sala é
um palco, cada espaço público é um teatro, e cada fachada é um pano de fundo.
Cada um possui lugares para entrada e saída, cenas, suporte, e um design que determina relações potenciais
entre as pessoas. […] a nobre, sutil e
humana arte do teatro é talvez o mais poderoso aliado da arquitetura em
explorar o impacto social do design:
como o espaço forma ações e relações (humanas).” (Read, Gray 53)
A Escadaria Espanhola valorizou as edificações adjacentes por permitir
variados eventos e interações. Não é
preciso construir na beira da água, no terreno público, pois a revitalização do
Cais, de maneira correta, por si própria trará valor para as propriedades do
outro lado da rua. Um exemplo de “teatro público” em Miami é a Lincoln Road
Mall e, em Porto Alegre, o Brique da Redenção.
Lincoln Road Mall, uma mistura de comercio de rua, Rua da Praia, feira do Brick, feira de comidas direto do produtor, teatro, arte, etc. Miami Beach, FL.
Sob o ponto de vista do usuário das torres, não há diferença na vista na
beira da água ou na vista do outro lado da Mauá, pois os armazéns são baixos. A
avidez pelo waterfront tem
justificativa. O negócio é que, em linguagem imobiliária, faz muita diferença
uma propriedade estar na beira da água ou não, o valor duplica, triplica! Entretanto,
se as torres ou o shopping degradam,
por exemplo, as condições de acesso ao longo do tempo com aumento do trânsito, elas
mesmas sofrerão desvalorização, mesmo estando na água. A água e/ou a vista, por
si só, não garante o sucesso do imóvel. Muitas variáveis podem torná-lo um
elefante branco, subutilizado e vazio.
Uma fonte segura, mas não oficial, revelou-me que a área total das
torres e do shopping foi determinada
por simples matemática imobiliária: tomaram a área total do Cais e calcularam a
densidade máxima construtiva como se fosse a mesma densidade do centro. Sob o
ponto de vista de arquitetura urbanística, esse cálculo não faz o menor
sentido. O Cais não é e não tem obrigação de ter a densidade do centro. Coloco
isso como informação não confirmada, porém tudo indica que é essa a mentalidade
por trás das áreas estipuladas.
Em arquitetura a ordem dos
fatores altera o produto. Um projeto do
governo que começa com o empreendedor produz um resultado que maximiza os
interesses deste último. A tendência são projetos conservadores, pouco
criativos, de retorno quantitativo calculado e do mínimo possível em
investimento infra-estrutural. Isso fica claro na maquiagem proposta ao muro.
Solucionar realmente o problema com
proposta infra-estrutural custa caro, muito caro, e a iniciativa privada não
tem interesse em algo que não possa justificar retorno financeiro.
Só
fariam se pudessem cobrar depois, como por exemplo, as estradas com pedágio.
Essas empresas são for profit (para
lucro). Não há nada de errado nisso, mas é preciso compreender a dinâmica de
forças que molda o resultado final da arquitetura.
Já o inverso, onde o arquiteto é contratado primeiro e o investidor
depois, os projetos tendem a ser exatamente o oposto: projetos inovadores,
bastante criativos, de retorno quantiativo e qualitativo incalculáveis (aspectos
intangíveis: bem-estar, projeção internacional, turismo, futuro valor histórico,
etc) e o máximo possível de investimento infra-estrutural.
A diferença ocorre devido a uma simples relação de poder. Quem paga o
arquiteto é quem manda. Se é o empreendedor quem paga, a influência é sua; se é
o governo quem paga, a influência é do público, da comunidade. A exceção à
regra são empreendedores que competem em inovação ou que querem transmitir essa
imagem à sociedade. Ou, ainda, no caso da contratação de Star Architects. São considerados arquitetos estrelas aqueles que
receberam o Pritzker Architecture Prize, o que não é o caso dos
arquitetos dessa licitação.
Guindastes ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usada com permissão.
Esse projeto é uma tatuagem na
cara de Porto Alegre por 100 anos. Conceder área pública a construção privada,
mesmo sob alocação, é diminuir o espaço público. Uma simples lógica, mas de
impacto por gerações. Retornar ao espaço aberto e público leva décadas e
talvez nunca ocorra. Aliás, Seattle faz o oposto: compra de volta o que foi
vendido antes para aumentar o espaço público.
A terra vaga em Seattle é, principalmente, o resultado de terra
subutilizada. A estratégia adotada pela cidade é simples: comprar terra o
máximo possivel. “Você não pode confiar no zoneamento para proteger o espaço
aberto. Este está apenas seguro até a próxima eleição.” declara o oficial do
Belleveu Parks and Community Service (Bowman, 2004, p. 116). Seattle é a terceira cidade mais sustentável
dos Estados Unidos num ranking
comparativo com outras 50 americanas (Karlenzig, 2007). Portland (OR)
foi a primeira e São Francisco (CA), a segunda.
Miami fez o mesmo erro de Porto Alegre em 1934 quando aprovou (sob
protestos da comunidade) o zoneamento público de apenas 6% na orla do Miami
River (Mitina, 2009). O rio sofre até hoje o desleixo e esquecimento devido a
essa decisão. Se a comunidade não usa, esquece. Gradualmente ele se recupera
desde a criação do Miami River Commission, em 1989, que tomou as rédeas da
autoridade de revitalização. (Miami River
Comission.org)
Aqui em Miami, nos últimos anos, aquelas estruturas das décadas de 30,
40, 50 vieram abaixo para dar espaço a highrisers.
Um terreno especificamente despertou o interesse da população: o lado nordeste
à ponte da Brickell, em frente ao Miami Circle. A visão ampla de 180° repentinamente
descoberta gerou imensa discussão e pressão popular para que a prefeitura
comprasse a área de volta. Porém, o valor de mais 70 milhões de dólares tornou
a compra impossível para o governo. O prédio foi erguido, hoje o Epic Hotel e
JW Marriot Marquis Miami, a vista perdida para até a próxima demolição, se
ocorrer, em 80, 90, 100 anos.
E que Porto Alegre faz? Exatamente o erro que Miami fez. Alugar ou
vender, não há diferença. Uma torre ou
um shopping não é uma cadeira de
praia de aluguel que dá para tirar quando quiser da orla pública.
Não há recurso? Busque-se onde quer que esteja. O mundo é muito rico, o
que há é má distribuição. Há fund-raising
internacionais, há filantropia, há o pequeno investidor internacional, há
fundos de investimento, etc. E se com R$ 27 milhões já resolvemos o problema, mesmo
em Porto Alegre, a cidade tem dinheiro: são os profissionais liberais, dentistas,
médicos, advogados, publicitários, industriários, fazendeiros do interior, empresários,
etc. O que é necessário é organizar os esforços. Se cada um, dois, três deles
pegasse um armazém, o Cais se renova. A eles seria dada a concessão de
exploração, porém para programas especificados pelo projeto vencedor. South
Beach e seus prédios Art Deco foram renovados por indivíduos, investidores
pequenos com visão, não com mega empresas e nem governo.
Miami Beach, FL, Ocean Drive. Esta não é uma edificação Art Deco, mas não foram feitas distinções em estilo. Todas foram preservadas.
4. Soluções ultrapassadas
Brasil passa por um boom
construtivo para atender as demandas da Copa e dos Jogos Olímpicos. Fomentado
pelo crescimento econômico, as cidades vêm a sua chance de tirar do papel
projetos estagnados por décadas. Há necessidades urgentes infra-estruturais em
praticamente todos os segmentos, como construção e ampliação de estradas, aeroportos,
hospitais, e outros. A quantidade de projetos é tamanha que escritórios
americanos de arquitetura estão avidamente buscando instalar-se no Brasil. É um
mercado novo e extremamente promissor.
Porém, o lado negativo desse crescimento acelerado é a cópia de soluções
sem uma análise profunda do contexto original e, principalmente, das tendências
atuais de arquitetura e urbanismo que estão constantemente evoluindo.
Por exemplo, shopping center é
uma criação americana. Eles surgiram para atender às necessidades da mulher, que passou a trabalhar fora depois da
segunda Guerra Mundial. Ela precisava de conveniência, um só lugar, seguro, com
horário prolongado, onde pudesse satisfazer todas as suas necessidades de
compra e é, claro, amplos estacionamentos. Por quê? Porque os subúrbios
residenciais (aqueles das casas praticamente iguais fora dos centros urbanos),
que surgiram nessa época, foram concebidos atrelados ao automóvel. O supermercado
também nasceu nesse mesmo período. (Frampton, 1992)
O típico mercado europeu é menor, cujo o dono ou donos, no caso de vários
estabelecimentos, é o pequeno empresário. Não se chega de carro, mas a pé e, às
vezes, não tem nem mesmo carrinho de compras.
Hoje os Estados Unidos buscam
na Europa as soluções para os seus problemas (sérios) de urbanismo e transporte
(Beatley, 2000). Enquanto que os novos ricos (nós) buscamos soluções ultrapassadas
nos Estados Unidos.
5. O velho
modernismo
Os autores da proposta declaram que ela foi inspirada no modernismo
brasileiro dos anos 20… (Favero, 2010) O
que nós não precisamos no Brasil é mais modernismo.
“Moderno” não é sinônimo de contemporâneo. Não se esqueçam que “moderno”
é, na verdade, antigo. O modernismo começou no fim do século XIX e começo do
século XX. No Brasil, o marco é a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo.
Entrar no século XXI olhando para um design
que já se usou e desgastou não é uma estratégia muito inteligente. O modernismo
evoluiu; hoje já passamos do pós-modernismo! Estamos vivendo o Technoism (Norman Foster, Richard
Rogers), o Neo-Racionalismo (Aldo Rossi, Álvaro Siza), o Desconstrutivismo
(Frank Gehry e Zaha Hadid), o Ecoism
(Tjibaou Cultural Center de Renzo Piano), o Metaracionalismo (Rem Koolhaas e
Daniel Libeskind), etc.
Portanto, dizer que Porto
Alegre ficará “moderna”, no sentido de contemporânea, com um projeto modernista
é dizer que ficará defasada décadas.
Feira do Livro ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usadas com permissão.
6.
Falta de identidade
local e própria
Os autores da proposta declaram que as idéias do projeto contemporaneidade, conectividade,
contextualização, criação de um forte marco arquitetônico e valorização do
espaço público (Favero, 2010)
A contemporaneidade está defasada. A contextualização é inexistente. A
conectividade não foi suficientemente desenvolvida como conceito. O design é insignificante e não a
classifica como marco arquitetônico. A valorização do espaco público é chover
no molhado, isto já estava implícito na licitação, todos os concorrentes iriam
desenvolver essa idéia.
Já discutimos a contemporaneidade no item 5. Vamos às demais.
· Contextualização:
A proposta poderia estar em
qualquer lugar do mundo. Ela não está conectada à Porto Alegre e não tem
identidade própria.
Intervenções urbanísticas que valorizam o local começam com uma análise
detalhada de fotografias antigas. É preciso entender os erros e os acertos do
passado para projetar o futuro. Além da história, a geografia, o clima, os
materiais, as técnicas, a cultura e até mesmo a arqueologia do local devem ser
observadas. A arquitetura da edificação também deve fazer uso dessa análise.
Isso não quer dizer que o design
final será de época, mas pode integrá-los ao design reinterpretando-os, o que chamamos de abstração.
Um exemplo bem sucedido de contextualização é o Centre Culturel Tjibaou
na Nouméa, New Caledonia, pelo arquiteto Renzo Piano.
· Conectividade:
A idéia de uma rampa conectando o Trensub ao Cais e ao Mercado é boa,
mas daí dizer que é o resultado do projeto ser baseado na idéia de “conectividade”
é um exagero. Se fosse assim, o próprio Trensurb teria esse conceito, o que não
é o caso, pois ja’ existe conexão com o Cais.
Para informação geral da nação, para todos aqueles que ainda não sabem,
já existe uma conexão subterrânea entre o Mercado e o Cais, provavelmente
construída durante a construção do Trensurb (ver fotos abaixo). Sim, essa
passagem “secreta” me foi informada pelo Bacharel em Turismo e Mestrando em
Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Otávio Augusto
Diniz Vieira, que está pesquisando o Cais Mauá e Puerto Madero.
Por que ninguém, ou quase ninguém, a usa? Primeiro falta sinalização do
tipo: “Por aqui, Cais Mauá”. Segundo, porque o pedestre não tem razão de ir ao
outro lado. Se o Cais for revitalizado e se colocar uma plaquinha haverá fluxo
de pedestres, as pessoas a utilizarão. A passagem é limpa, segura, ampla e está
em excelentes condições. Portanto, se quiserem economizar dinheiro, as rampas
propostas para o Trensurb em frente ao Mercado Público podem ser cortadas do
projeto sem maiores consequências.
Figura 2: Passagem subterrânea existente entre o Cais Mauá e o Mercado
Público. Falta o estabelecimento de ponto de interesse (revitalização do Cais)
e sinalização para que seja efetivamente utilizada. Centro de Porto Alegre, RS.
· Design (“marco arquitetônico”?):
As torres: As formas básicas não ajudam. São como peças de um jogo
infantil: prismas triangulares em cima de caixinhas de fósforo. Usar geometrias
básicas e ainda causar sensação é um desafio arquitetônico enorme.
O Congresso Nacional de Oscar Niemeyer, em
Brasília, não se tornou um ícone por acaso. A razão está na força da
simplicidade geométrica, mas na originalidade como foram arranjadas, nas
proporções, nos espaços vazios, no perfil no horizonte, na relação e a conexão ao
contexto construído (posição no grid
urbano) e natural (o sol se põe entre as torres). Nada disso não foi atingido
nessa proposta.
Figura 3:
Arquitetura explorando o espetáculo natural. Pôr-do-sol Congresso Nacional,
Brasília, DF.
Por quê aqueles cortes nas torres na parte de baixo? Se deram conta que
a vista estava para aquele lado e tiraram um pedaço? Esse é um movimento
bastante importante e precisa ter uma justificativa. E no sudoeste? Grudaram uma
abinha para proteger do sol?
O shopping: Este é uma linha curvilínea
fechada. Se o conceito é conectividade, então seria uma forma que ligasse
pontos. De onde veio a forma de ameba do shopping?
A espessura e o espalhamento descontrolado, de qualquer jeito pela rua, é o
típico chiclete verde esmagado no asfalto.
O que as formas orgânicas do shopping
têm a ver com as formas triangulares das torres? O que a água do muro tem a
ver com a shopping? Por quê uma
cortina d’água? O que cachoeira tem a ver com Porto Alegre? E assim por diante…
É um amontoado de partes. Qualquer um que ensine design vê que o projeto não tem conexão nem consigo próprio, muito
menos “conectividade” com o contexto ou com Porto Alegre.
Com muito esforço consigo ver um conceito: o de oposição, o das formas
curvas de um lado e os das formas retilíneas do outro; da estrutura chata de um
lado e as esguias do outro, interligados pelo muro. Mas esse nao é o conceito escolhido
e mesmo que fosse, não está funcionando, pois as estruturas estão muito
distantes uma da outra e somente de vista aérea se percebe, não sob o ponto de
vista do usuário. Se o usário leigo não
consegue perceber o conceito, ele não existe.
Setor das Docas: No extremo nordeste, a laje inclinada da praça só tem
uma fachada, o lado da grama. O outro lado não foi pensado, “seja o que o Deus
quiser”. Como é a vista nordeste do estacionamento embaixo da grama? Será uma
vitrine de carros? Para uma proposta que
quer ser um “forte marco arquitetônico” (Favero, 2010), esta será fotografada
de todos os ângulos e ter só uma
face é inadmissível. A estrutura parece um tapete de grama que foi
levantado na ponta para esconder a sujeira em baixo: os carros.
Figura 4:
Proposta e estacionamento pouco desenvolvido.
Se o design não é de
qualidade, apenas as classes sociais mais baixas habitam o espaço público. Se
não há manutenção constante, estas também evaporam e os vândalos tomam conta.
Para atrair a vasta gama representativa de toda a sociedade o tempo inteiro,
não só em eventos, é preciso que o design seja excelente, a segurança
implacável e a manutenção primordial.
O projeto é péssimo. Dos cinco
itens que se propôs, contemporaneidade, contextualização, conectividade, criação
de um forte marco arquitetônico e valorização do espaço público, com exceção
deste último, nenhum foi atingido. Os
conceitos de design que foram escolhidos
foram pouquíssimos desenvolvidos e portanto as estruturas não tem valor
arquitetônico. Nota 20 de 100 pontos, só para não dar zero. Valeu o esforço.
7.
Outro exemplo fraco
dos “vencedores”
A falta de completo desenvolvimento conceitual parece permear outros
projetos do escritório vencedor de Curitiba, como o Museu da Velocidade para a
Fittipaldi. Quando vi aquelas “tiras” na palestra no congresso IFHP na PUC em
novembro… Me deu um constrangimento enorme. Eu nem podia olhar para a tela. Se
o conceito é velocidade e fórmula 1, há muito mais a ser explorado. Depois da
palestra, agora em dezembro, como crítica convidada a um design review, lá estavam as mesmas tiras. Não precisei dizer nada,
o professor anterior a mim apontou ao estudante sobre o desenvolvimento insuficiente
da idéia.
A abstração das pistas de corridas de formula 1 foi usada como
exploração da forma. Esse processo de
aplicá-las à planta baixa e depois inserir as funções dentro, hoje é
considerado pouco sofisticado, para não dizer primário. No momento que
chega na percepção do espaço pelo usuário, o conceito já se foi há muito tempo.
Segundo Bernard Tschumi (1996) “a pleasure
architecture está onde o conceito e a
experiência do espaço brutalmente coincidem […]”
As “vistas” ortogonais, as plantas baixas, os cortes e as fachadas não
são vistas reais. A pessoa percebe um espaço um de cada vez, pontualmente e em
perspectiva. No interior do Museu as tiras viram simplesmente paredes curvas. E
ninguém está passando de helicóptero todos os dias para vê-las de cima, no
conjunto.
Numa estrutura bem desenvolvida, o conceito toca o usuário em três
niveis: à distância, à aproximação e de perto (interior). Para usar um exemplo
brasileiro, a catedral de Brasília de Oscar Niemeyer atende perfeitamente a esses quesitos. Em linhas gerais,
o conceito foi, nas palavras do próprio arquiteto, “construir uma catedral que não tivesse
a necessidade de cruzes ou imagens de santos para simbolizar a Casa de Deus […]
uma
escultura monumental transmitindo uma idéia religiosa” (Botey, 1996). Quem vai
lá pessoalmente percebe isso: um momento de reflexão e elevação aos céus (à
distância, à aproximação e de perto (interior).
8. “Longe demais das capitais” 1
As cidades hoje competem internacionalmente por recursos, por visitantes
temporários e por investimentos permanentes.
Porto Alegre é o aeroporto
internacional da Serra em termos de turismo. Porto Alegre não existe no mapa
global. Não somos nem um pontinho, apenas um vácuo geográfico. Nem todos os
congressos e exposições internacionais conseguiram mudar isso.
Alguém iria gastar o tempo precioso de suas férias, passagem, hotel, cruzar
oceanos no desconforto de uma lata voadora, esperar em aeroportos para
vivenciar este projeto com os próprios sentidos? Não.
Porém, igualmente importante é criar uma cidade em que o próprio
residente desfrute. Discuto este ponto no
item 12.
Figura 5: Área das docas – Contraste:
automóveis e barquinhos a remo. Quem são os donos desses barquinhos? Da onde
vem e para onde vão? Quais são suas necessidades como usuários do Cais? Como aumentar
esse uso? Valor: identidade local + turismo + atendimento da comunidade + potencial
econômico. Vejam o exemplo de Veneza…
9. Tendo medo
do muro
Lerner declara na imprensa que não se pode ter medo do muro.
Não ter medo do muro é
demolí-lo e substituí-lo por outro sistema, ou reduzí-lo à insignificância
incorporando-o ao projeto de maneira que sua presença material não faça a menor
diferença na integração com a cidade.
Acrescentar uma cachoeira ao
muro não é solucão arquitetônica, mas decorativa. O muro continua o mesmo, só
que agora estará molhado e iluminado. A proposta tem medo dele e ainda o
celebra. É a celebração da barreira. Essa solução não resolve o problema de
conexão com o centro.
A imagem da cortina d’água manipula a opinião pública. Mostram o que
querem mostrar. A imagem é uma visão noturna. E durante o dia? Água não é azul,
é transparente. Água é mais transparente que tinta. Durante a noite pode se
usar luz azul, mas e durante o dia? Como será? Vão adicionar colorantes à água
(horrível!)? Vão pintar o muro de azul? De branco? Ou vamos continuar enxergando
a cor cinza de concreto? Está faltando
uma imagem diurna da cortina d’água.
Um projeto de arquitetura bem desenvolvido preocupa-se igualmente com as
duas versões: a de dia e a de noite. Elas são igualmente importantes. Quando
não há essa sensibilidade por parte do arquiteto uma vira cartão postal e a
outra vira banal. Miami investe consideravelmente em sua imagem noturna. Veja o
caso da ponte do Metrorail sobre o Miami River e o design de luzes que foi aplicado. Durante a noite é cartão postal,
porém, durante o dia, é como se não existisse design. É uma diferença
enorme.
Figura 6:
Ponte do Metrorail sobre o Miami River à noite e de dia. Uma é cartão postal e
a outra é imagem cotidiana. (Obs: os prédios em construção na imagem diurna
ainda não existiam quando a foto noturna foi tirada. Local: SW 2nd
Ave e Miami River, Miami, FL.)
Para realmente cobrir o muro
de água, sem aparecer o fundo, será necessário muita, mas muita água, milhares
de galões por minuto (ver o item 10 sobre sustentabilidade precária).
Água no muro é como colocar um quadro na parede da sala. É decoração.
Tira o quadro, está a parede, que aliás nunca saiu de lá. Uma solução
paliativa. Se a proposta quer decorar então, ao invés de água que use espelhos
protegidos ao choque. Estou ironizando, mas funciona. Espelho é decoração, mas
faz sumir as paredes. Sabiam que a indústria de elevadores descobriu que o
espelho reduz o vandalismo nas paredes internas? Não só aumenta a sensação de
espaço, mas as pessoas adoram ficar se olhando, pois somos vaidosos. É uma
estratégia psicológica. Espelho no muro e até o vândulo ficará entretido com
sua espinha.
A cortina de água não funciona para ativar o movimento de pedestres. Em
arquitetura, a água é um forte elemento de atração humana, mas quando usada em
foco, pontual, o que aqui chamamos de focal
point. A cortina d’água torna-se
monótona quando aplicada em uma longa extensão.
Além disso, a calçada em frente ao muro, o espaço, mesmo sendo expandida
é estreita. Esta configuração não proporciona o “teatro público”. Espaços longos e estreitos favorecem o
movimento, mas não a permanência. Por exemplo, o corredor da casa é o último
a ser ocupado em dias de festa.
Somado
ao layout, falta a determinação de
pontos de interesse que façam o pedestre mover de um ponto a outro, do lado de fora do Cais.
A solução é deficiente. O trânsito de
pedestres na Mauá na calçada do muro continuará sendo o atual: insignificante,
mesmo reformado e enfeitado (decorado de água).
Na frente do Colégio Julinho há dois
chafarizes com piscinas. Na frente do museu da UFRGS há uma escultura com espelho
d’água, datando de 2002. Ambos secos. A lógica é a seguinte: constrói, destrói;
recupera, destrói; recupera, gradeia, destrói e deixa destruído. Resultado daqui dez anos: muro sem água, pichado
e com grade.
Se observarmos Porto Alegre vemos que as edificações não parecem ter
sido pintadas ontem.
Manutenção não é o
forte dos países emergentes. Se ocorre, ela é abaixo da freqüência recomendada
e, quando ocorre, é lenta. A educação de profissionais de engenharia e
arquitetura também não dá maiores atenções ao assunto. Ao menos na minha época não havia uma cadeira
“Manutenção Predial e de Obras de Arte” ou “Projetando para a Manuntenção”. Temos
muito a evoluir neste assunto. Até hoje as faxineiras se dependuram nas janelas
dos prédios para lavar os vidros do lado de fora e todo mundo acha isso normal.
Figura 7: Problema: prédios sem
manutenção atrás do porto. Além do passado de dificuldades econômicas, não se
ensina nas universidades sobre manutenção; não se projeta tendo em vista a
manutenção; não se faz manutenção e não se multa a falta de manutenção.
Resultado: deterioração do espaço urbano + os olhos se acostumam com o cenário
de decadência. Centro de Porto Alegre, RS.
O custo de manter esse sistema da cortina d’água funcionando deve ser
considerado no longo prazo. Se fosse insignificante, por quê a maioria das
fontes na Brickell Avenue aqui em Miami, no centro financeiro e rico da cidade,
estão sendo desligadas? Devido à crise
econômica americana? Corte do supérfulo?
Figura 8:
Fonte desligada, como muitas outras, na Brickell Ave, dia de natal. (Local: Brickell
Ave, Miami, FL.)
Portanto, o que é uma solução realmente de arquitetura e engenharia? Por
exemplo, Chicago não construiu um muro, mas elevou as margens do Chicago River.
Galveston, no Texas, elevou o nível da cidade e regulamentou o uso do primeiro
andar, adaptando-o à possibilidade das enchentes. Essas não são, absolutamente, as únicas ou as
melhores soluções. Precisamos de uma
competição de arquitetura (e não uma licitação de arrendamento) que seja realmente
aberta e internacional para prover dezenas de soluções que serão o resultado de
centenas de cabeças pensantes sobre o assunto.
10. Sustentabilidade precária
Haverá um green roof no shopping. Ótimo. Mas e nas torres? Onde estão os princípios de
sustentabilidade lá? Foram esquecidos?
Sustentabilidade não é só adicionar um green roof, coletar a água da chuva e fazer uso de iluminação
natural. Para um projeto tornar uma cidade cada vez mais sustentável deve ir
muito além de detalhes construtivos. As
decisões sustentáveis devem ocorrer muito antes, já na escolha do programa.
No aspecto macro, green technologies é apenas um de vários
itens que um projeto deve contribuir para uma cidade ser sutentável. Karlenzig (2007) cita quinze aspectos: tempo de deslocamento no
trânsito (city commuting), transporte
público, congestão do centro urbano, qualidade do ar, qualidade da água,
tratamento de resíduos sólidos, planejamento e uso do solo, inovação (city innovation), custo de moradia,
risco a desastres naturais, políticas de energia/mudança climática, consumo de
produtos agrícolas e comidas locais, economia green (não poluente), base
de conhecimento e, finalmente, LEED (green)
edificações. Quantos destes itens a
proposta está, realmente, contribuindo para Porto Alegre ser uma cidade
sustentável?
Pela lógica da cidade auto-sustentável, esta deve buscar produzir e
consumir seus próprios produtos e serviços o máximo possível, para reduzir
transporte, armazenamento e embalagem. Shoppings no estilo Iguatemi, Praia de
Belas, etc não são sustentáveis per se.
Lembrem como eles surgiram no pós-guerra… além do acesso por veículo privado
(estacionamentos), eles não promovem o pequeno comerciante e nem a produção/venda
local de mercadorias. Eles são mantidos por lojas âncoras, geralmente grandes
corporações cujo lucro não fica e não é reinvestido na cidade.
No caso dos supermercados, por exemplo, estes não promovem ativamente o
consumo de produtos agrícolas locais e tampoco o pequeno comerciante. Nesse
sentido, o Mercado Público Central de
Porto Alegre devido ao tipo de produtos e tamanho pequeno das lojas possui características
sustentáveis. Seatlle, como a terceira no ranking
das greens americanas, possui o Pike
Place Fish Market, muito semelhante à versão gaúcha.
Os navios enferrujando devem
ser reutilizados no projeto ou em outro lugar. Simplesmente virar entulho em
outra parte não é design sustentável. Todos os produtos
devem ter em mente a poluição mínima e a maximização do uso de materiais
reciclados. O museu da California Academy of Science em São Francisco, de Renzo
Piano, por exemplo, utilizou para insolamento térmico material a base de jeans reciclados.
A energia elétrica deve ser produzida, ao menos em parte, na própria
estrutura. A água deve entrar e sair limpa, isso significa que o esgoto deve ser tratado também no próprio
complexo das edificações propostas.
A licitação não exigia a certificação LEED: “As diretrizes de
sustentabilidade para a revitalização do Cais Mauá visam que novas construções
atendam aspectos essenciais para uma certificação, sem no entanto, ser
necessário a sua concretização”. (p 65). A situação fica dúbia: atendam ao
LEED, mas não busquem a certificação? Justamente a certificação é que irá
provar que o projeto é de fato, e em que critérios, sustentável.
Quais as garantias que a população terá, se nem mesmo houve
transparência na divulgação dos critérios que qualificaram o projeto
arquitetônico? Eu sou bastante cética do quão green este projeto será sem uma certificação. É o mesmo que dizer
que uma empresa tem qualidade total, mas não é certificada ISO (International Organization for
Standardization). Simplesmente não
cola, não tem credibilidade.
Figura 9: VALOR: Identidade local +
futuro valor histórico + educação da comunidade + turismo. Quantos adultos em
Porto Alegre já entraram num navio assim? Quantos não gostariam de conhecer?
Quantas crianças não gostariam de entrar nele? Será que um navio desses não fascina a
imaginação?
Um outro problema da proposta:
o uso de água. A arquiteta e urbanista catarinense, Fabiana De Luca, radicada em
Miami, graduada pela Universidade de Brasília, escolhida para liderar a
proposta do Zyscovich Architects para a licitação do Cais Mauá e que pesquisa
sobre sustentabilidade, declara por escrito sobre a proposta:
“Acredito que a cidade mereça mais.
Infelizmente, Jaime Lerner, autor de outros projetos inovadores em
Curitiba, decepcionou. A arquitetura que pretende trazer a experiência de
cidades ditas globais para Porto Alegre também decepciona.”
A observação não é recalque de perdedor, pois nem chegaram a participar,
nem a desenhar uma linha. Água em circuito fechado, água da chuva ou água
reutilizada ainda é água. Esse seria o último dos elementos a se pensar em
utilizar para cobrir o muro. De Luca acrescenta:
“[…]
talvez o elemento mais controverso da proposta publicada nos veículos de comunicação seja o muro
transformado em cascata. Muro criado para contenção de cheias acaba realmente
inundado ao virar cascata. Parece piada,
e de mau gosto. Moro em local sujeito a inundações e furacões e imagens
assim, em cidades com problemas de enchente, não me são nada agradáveis.
Cascatas fazem parte do imaginário idílico de todos e muito nos seduzem. Até o ex-presidente Collor gostava. Quem no
Brasil não lembra das cascatas da casa da Dinda? Mas usar este recurso no muro da Mauá é totalmente inadequado e pouco
criativo. *
Apesar
de 70% do planeta ser coberto por água, apenas 3% serve para consumo e o futuro
não parece promissor. […] Criar uma
cascata artificial desta extensão numa das principais avenidas da cidade seria,
no mínimo, pouco educativo. A água
precisaria ser bombeada. Qualquer energia utilizada para isto seria um grande
desperdício com finalidade apenas estética.
[…]
Cascatas artificiais em ambientes urbanos podem
fazer sentido em locais de clima quente e seco aonde são comumente
usadas por propiciarem resfriamento por evapotranspiração. Foi assim na Expo
Sevilha. Conheço bem o clima de Porto Alegre e é totalmente diferente de
Sevilha. Água é o maior patrimônio a ser preservado para futuras gerações.
[…]
Um muro sempre será uma barreira e
cobrí-lo com água aumenta esta barreira. Outras cidades escolhem ligar os
espaços desconectados. Arquitetos e paisagistas usam sua criatividade, instigam
a curiosidade e provocam o caminhante, usam escadas, elevadores ou soluções
arquitetônicas que incorporem os desníveis. Outras localidades escolhem
recursos eletrônicos para interligar os espacos
e mostram a vida acontecendo do outro lado e convidam a ingressar no
ambiente. Existem tantas outras
possibilidades. Infelizmente apenas uma proposta foi apresentada.”
* (grifo meu ao longo
do texto de De Luca).
Lago Guaiba ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usada com permissão.
11. O que fazer?
A litação deveria ter começado com uma competição internacional de
arquitetura. Poderia, até mesmo, ser segmentada em partes. Primeiro uma
competição para o master plan, e
depois competições separadas para as edificações definidas no plano master
assim como uma outra seleção para o paisagismo.
A imprensa e a população tem comparado o projeto dos “vencedores” com Puerto
Madero em Buenos Aires. Se vamos comparar, então vamos realmente comparar. O que ninguém está divulgando é que em
Puerto Madero foi uma competição de arquitetura e não uma licitação de
arrendamento.
Os programas foram decididos através de debates com a
comunidade e a comissão julgadora era formada por arquitetos exclusivamente. O resultado foram 96 propostas e 3
vencedores (Giacomet, 2008). Se os nossos hermanos tem condições de fazer a coisa certa, nós também temos.
Porto Alegre não é nenhum E.T., não somos diferentes do resto do mundo. No 54°
Congresso Mundial da IFHP na PUC, em novembro de 2010, exemplos semelhantes
foram apresentados em outras cidades. Não
há justificativa que essa proposta fraca seja construída em Porto Alegre.
Uma competição de arquitetura pode ser organizada em poucos meses: montagem
em um mês, dois meses para apresentação das propostas, seleção dos vencedores
em uma semana, detalhamento do projeto 6 a 8 meses. Durante este último período
buscam-se os investidores que querem explorar a área.
Uma competição internacional de arquitetura é a criatividade que questiona
tudo, todas as restrições. É o momento de ver o Cais como uma canvas branca… um
pedaço de solo com suas estruturas históricas a serem preservadas, mas que todo
o resto é questionável, até mesmo os códigos. Assim, as idéias fluem, a
criatividade expande as possibilidades. Nesse momento, o que é permitido e
sugerido pelo programa não necessita ser realmente seguido a risca.
A licitação deve ser anulada pelo novo Governo do Estado do Rio Grande
do Sul e nova competição deve ser aberta seguindo o regulamento de competições
internacionais de arquitetura da UNESCO-UIA (UIA-Union Internationale des
Architectes). (http://www.uia-architectes.org/texte/england/Menu-7/UIAguideIC.html). UIA lista algumas
das vantagens de uma competição internacional:
“ To mark a period or a place
(Georges Pompidou Centre - Paris)
To symbolize a civilisation (Indira
Gandhi Cultural Centre in New Delhi - National Museum of Korea)
To solicit solutions to new needs (Design of Bioclimatic
Housing in Tenerife - Spain)
To address neglected social subjects
(Solutions to problems of the homeless - CINTUS)
To encourage creativity and innovation
To reveal new talents
To heighten the awareness of the public
and political authorities
To boost architectural education
To focus on the scope of the
architect’s function”
(Union Internationale des
Architectes)
12. Todas as
idades
Discordo da declaração de Lerner à imprensa que “Você não revitaliza nada sem que
o jovem tome conta”. Veja, por
exemplo, o Parque Maximo Gomez na Calle Ocho, em Miami. A terceira idade cubana
com seus jogos de dominó é que toma conta. É um espaço vivo e ponto turístico.
Em realidade, o espaço público
vitaliza de forma ampla onde há diversidade etária, caso contrário, o efeito pode
ser negativo, criam-se guetos.
Os jovens aqui tomam conta dos shoppings
centers à noite no fim da semana e fins-de-semana. Os pais os largam lá e
ficam desacompanhados. Muitos não podem dirigir, não tem idade suficiente para
ir a danceterias, nem a bares; são menores de 21. Eles não tem aonde ir. Criou-se
um problema, o shopping não é atração
noturna para os adultos e, em alguns casos, uma concentração exclusiva de
jovens tem causado atritos entre eles próprios. Algums centros estão barrando a
permanência de adolescentes e jovens desacompanhados de adultos depois de certo
horário.
O outro extremo etário também pode causar problemas. A população de Miami
Beach na década de setenta e oitena constituía-se uma maioria de mulheres idosas
aposentadas, vindas das regiões frias que escolhiam o clima ameno para sua
útima morada; literalmente, vinham para morrer. A idade média da população de
Miami Beach era de 70 anos. Pouco importava a praia de águas turquesas, a
segregacao etária, associada a fatores econômicos, traficantes e drogas era o cenário
perfeito da degradação urbana. Foi um custo muito alto para a cidade que só
começou a mudar após grande número de pequenos investidores privados visualizar
um novo potencial para a area, conjuntamente ao movimento de preservação das
edificações Art Deco.
O Brasil não é mais um País jovem e não está ficando cada vez mais
jovem. Na verdade, o idoso está vivendo mais e se mantendo ativo. Percorrendo a
Riachuelo numa tarde de sol, vários idosos caminhavam nas calçadas, driblando
os buracos. Essa população, vizinha ao Cais, deve ser considerada no projeto.
Quais são as suas necessidades intelectuais e físicas? Qual atividades propor e
como garantir o acesso fácil e seguro, com a seleção adequada das superfícies
para evitar as quedas.
E o espaço público infantil? Onde vai criança, vai pai, mãe e parentes, ou
seja, atrai a população economincamente ativa da cidade que revitaliza o espaço
público. E se há qualidade de vida, aumenta o valor imobiliário também. Está
tudo interligado. A vivência do espaço público na infância desenvolve o senso
de apropriação positiva sobre o que é publico, conduzindo a sua preservação e bom
uso na idade adulta.
Eu só fui realmente usufruir do espaço público no exterior. E não foi
sem traumas; a falta de privacidade perturbava. Recreação ao ar livre para mim era
no pátio da casa e hoje, para as crianças, é o playground do prédio, muitas vezes pequeno, limitado em opções e
com pouco verde. As crianças aqui consideram o parque seu: fazem piquenique, jogam
bola, andam de bicileta, vão a festas de chá de bebê e aniversários dos
amiguinhos no parque, brincam na água, nadam na piscina (se houver), patinam no
gelo no inverno (sim, até em Miami, sem neve) etc, é uma relação completamente
diferente da que eu tive. Para que isso ocorra, novamente, é preciso design de qualidade, investimento, segurança
e limpeza (manutenção).
Você sabia que os espelhos d'água na Redenção eram piscinas? Que foram fechados por causa de uma morte com criança? Estamos todos pagando até hoje um acidente, quando poderíamos ter de volta as piscinas no parque Farroupilha.
Miami Beach, FL: piscina pública gratuita para os moradores da
cidade, localizada no Parque Flamingo. Durante o verão, os horários são
divididos em sessões para que todos possam utilizar e evitar que encha demais.
Piscina de natação e para crianças. Ambas tem salva-vidas em turno integral. Abre às 6:30 da manhã e fecha às 20:30 hs. Você
sabia que os espelhos d'água na Redenção eram piscinas? Que foram fechados por
causa de uma morte com criança? Estamos todos pagando até hoje um acidente,
quando poderíamos ter de volta as piscinas no parquet Farroupilha.
As crianças hoje tem necessidades tão sofisticadas quanto os adultos.
Seu espaço necessita ser cuidadosamente projetado, não pode ser um after thought. Acreditar que elas são as
mesmas crianças que se empolgavam em brincar nos mesmos brinquedos que povoam
as praças de Porto Alegre há mais de quarenta anos sem nenhuma inovação, é o
mesmo que dizer que um adulto, não colecionador, se empolgará hoje em comprar
uma Brasilia 73 na concessionária. Os automóveis, o telefone, o computador,
tudo mudou e os brinquedos nas praças de Porto Alegre ainda são os mesmos da
década de 70.
Os brinquedos antigos não devem ser removidos, pois fazem parte da
memória coletiva, novos designs devem
ser acrescentados de maneira adequada.
Figura 11: Brinquedos infantis estão
décadas defasados. Praça Brigadeiro Sampaio, Porto Alegre. Os brinquedos antigos não devem ser removidos, pois fazem parte da
memória coletiva, novos designs devem
ser acrescentados de maneira adequada.
Não há mais o esfolar do joelho em chão de areião, como ainda temos, e
se torrar no sol. Os materiais evoluíram, protegem nas quedas e dos raios
ultravioletas. Os brinquedos despertam os sentidos, desenvolvem a destreza das
mãos, o movimento e o balanço corporal, permitem a exploração da imaginação e o
conhecimento. Essas experiências podem ser obtidas através de produtos pré-manufaturados
ou através de arquitetura de landscape.
Entre os adultos, a orla pública bem cuidada vira até cenário de momento
especial: em South Beach o pessoal casa na praia. E não é so’ devido à água
turquesa, é a limpeza, a segurança, o acesso, a existência de hotéis, etc.
Alguém casa na orla do Guaíba ao pôr-do-sol?
Cidade da comunidade é isso, oferece opções as
mais variadas a todos, independente de nível social e etário. Portanto, quais
as alternativas a todas as faixas etárias que estão sendo propostas na definição
das atividades no Cais, nos programas? Que considerações estão sendo feitas às
crianças e aos idosos? Um espaço público
se vitaliza com diversidade e não com exclusividade etária.
Figura 13: Comparando skylines (linha
vermelha). Observe as variações. Valor do Skyle: motenário e psicológico.
13.
O vazio e o skyline
O Gasômetro tem identidade própria. Além do valor histórico, ele é um ícone,
de importância fundamental na identificação do skyline de Porto Alegre perante outras cidades. Skyline
é a linha formada quando a cidade encontra o céu. A forma dos elementos,
as proporções e a escala do Gasômetro no perfil da capital são perfeitos. E o
espaço vazio no seu entorno é tão importante quanto a própria estrutura.
A pausa num texto permite que respiremos; a pausa na música, nos faz
refletir. O espaço vazio em arquitetura, seja interno ou externo, é tão potente
e físico quanto ao construído.
O vazio é bastante explorado internamente: o pátio do palazzo italiano, o central core do Guggenheim, de Frank Lloyd Wright, e no Museu Iberê
Camargo, nas áreas de escada rolante dos shoppings,
etc. O vazio nos faz respirar, descongestiona.
Porém poucos arquitetos o utilizam no espaço externo. Só mesmo estando
lá, frente a frente, no Seagram Building
de Mies van de Rohe, em New York, para sentir o design de gênio… Olhar a fotografia não adianta. Ele recua o prédio,
enquanto os outros todos se alinham frente à avenida. A sensação de amplidão e
de magnificência é indescritível. É como cair no espaço. O local inteiro se
transforma num royal entrance
(entrada real) de proporções gigantescas. Os prédios vizinhos criam as paredes
desse imenso atrium (saguão) onde as
nuvens são o teto.
Mies pregava o quase nada, a quantididade mínima. A sua entrada no Seagram Building é a celebração da
importância do nada. Imaginem propor ao empreendedor um recuo várias vezes ao
exigido e convencer de que o espaço vazio irá valorizar o prédio, ou seja, exatamente
o “deixar de construir”, em plena Park Avenue, num dos metros quadrados mais
caros do mundo? O discurso não foi necessário, pois a filha do cliente, Phyllis
Lambert, era arquiteta e ela mesma convenceu o pai a contratar Mies. O sucesso
desse design conduziu ao aumento dos
espaços abertos em torno de prédios altos nas regulamentações do zoneamento
nova-iorquino de 1961, três anos após a conclusão do prédio. (Dupré, 1996)
Porto Alegre deve cuidar mais de seu skyline,
observando as questões de hierarquia dos prédios, os de frontstage (centro de palco, principais) e os de background (cenário, segundo-plano), as
alturas e os espaços vazios entre eles. O skyline
tem alto valor monetário e psicológico para a população.
Estima-se que nos Estados
Unidos só as mercadorias relacionadas aos
skylines (de shows de tv, logos, fotografias, camisetas e souvenir) movimentem bilhões de dólares
ao ano. (Barr, 2010). É preciso entender que o conjunto de estruturas é mais
importante que um prédio individualmente. “O skyline serve para promover a potência econômica de uma cidade, além
do poder de qualquer prédio contido dentro dele.” (Barr, 2010, p. 2)
No
valor psicológico, o estudo de Heath et al (2000) sobre o efeito da
complexidade visual do skyline nas preferências
individuais descreve que há uma
relação direta entre bem-estar (pleasure)
da população e a complexidade do skyline.
Ele aumenta o prazer pela cidade, são os aspectos intangíveis de bem-estar “[…]
a gente não quer só comida, a gente quer a vida, como a vida é”. 2
Cada demolição e cada estrutura nova é uma oportunidade para Porto
Alegre melhorar o seu skyline. O
código de obras e o plano diretor devem considerá-lo, determinando as alturas e
os espaços entre as estruturas. O skyline precisa ser planejado e monitorado.
A construções devem ser aprovadas somente após análise de simulação
tri-dimensional dentro do contexto das estruturas existentes, na vista diurna e
noturna. Isso deve ser exigido. Também importante é a silueta do prédio em si.
Nem todos precisam, nem devem, ser ícones (o fronstage), mas devido a sua posição no contexto, pode ser chave
para o skyline que ele tenha um
perfil diferenciado, no topo ou lateralmente.
Já que estamos falando nisso, os entornos da Catedral Metropolitana e da
Igreja Nossa Senhora das Dores devem ser “despoluidos” na primeira oportunidade
de demolição que ocorrer dos prédios que as obscuram no skyline. As duas possuem siluetas bastante diferenciadas no
conjunto.
Nenhuma estrutura deve ser
elevada próxima ao Gasômetro, nem mesmo o shopping
proposto de três andares, para não destruir o que já está bem. Ali devem ser
previstos programas abertos, como marinas, plazas, docas, etc. Antes de
construir, a vista à distância do Gasômetro deve ser analisada em todas as
direções, de dia e de noite.
Feira do Livro e Guindastes ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usada com permissão.
14. Engenharia e Arquitetura
Desde que a educação de engenharia se separou da arquitetura, por volta
de 1747 (Ecole des Ponts et Chaussées, a primeira escola de engenharia. (Frampton, 1992)), os pontos de vista
também se separaram. Pergunte ao
engenheiro e o muro é um sucesso. Pergunte ao arquiteto urbanista e o muro é um
fracasso.
Nós, os engenheiros, somos treinados para dar respostas exatas a
problemas específicos. Porém, em questões da cidade, uma série de respostas exatas
e específicas não são, necessariamente, as melhores sob o ponto de vista social
e econômico. Depois ninguém entende por que uma área degradou ou morreu. As
cidades são organismos vivos, que respondem a uma intervenção, e não uma
coletânea de problemas técnicos. Para a engenharia, se o ser humano atingir o
seu objetivo de forma eficiente, segura e com conforto físico, a missão do
projeto está cumprida. É uma ciência exata; não é uma ciência humana.
Nós, os arquitetos, somos treinados para uma visão ampla que considera,
principalmente, a experiência humana. A Alemanha já valoriza isso há muito
tempo. Segundo o arquiteto, professor, pesquisador e atual diretor da School of
Architecture da Penn State University, Nathaniel Belcher, a Alemanha é o país que
melhor paga os arquitetos no mundo.
O serviço ou projeto de engenharia quando é bom, não incomoda. Se o muro
realmente tivesse sido um sucesso em ambas disciplinas, de engenharia e
arquitetura, não seria alvo de tantas discussões por todos esses anos. Seria,
no mínimo, neutro, no máximo, cartão postal. Só isso já prova que, para as
coisas funcionarem, a arquitetura deve reger e a engenharia responder, numa
contínua troca de informações.
A relação da populacão com ponte do Guaiba, por exemplo, sempre foi
tranqüila e motivo de orgulho. É uma dama que funciona elegantemente bem
desenhada. Ultimamente ela tem dado os problemas, tem incomodado, pois, na
verdade, já deveria ter sido auxiliada com uma nova ponte há muito tempo atrás.
As pontes não são projetadas para uma suportar uma demanda crescente infinita.
O muro é um abacaxi que nos
foi deixado de herança. Se as pessoas soubessem, quando foi erguido, tudo que
passamos hoje, teriam considerado outras soluções. A proposta é um remendo à
questão do muro e não uma solução. Em construí-la, deixaremos um abacaxi ainda
maior para as gerações futuras.
15. Quero MAIS
A licitação é uma afronta à
profissão de arquitetura. Está tudo errado, do começo ao fim; do processo ao
conteúdo. É como se todos nós fôssemos incompetentes ou ignorantes. Como se não
soubéssemos como juntar as peças dos interesses das diversas partes. O Arquiteto é o
cientista da cidade, somente ele tem a formação para considerar todos os
aspectos: técnicos, econômicos, sociais, culturais e artísticos.
Para fazer o máximo bom uso de suas capacidades, deve ser ouvido e não
imposto nele e na comunidade qualquer proposta. De médico e louco todo mundo
tem um pouco. Eu diria que de arquiteto também. O cliente, o empreendedor, o
Estado que impõe as suas soluções baseadas somente em retorno financeiro,
desenvolvimento econômico, ou solução técnica corre o risco do erro, além de
perder um retorno ainda maior, o aumento da qualidade de vida e, até mesmo, de
entrar para a história como o sponsor
de arquitetura e urbanismo de qualidade. Nessa
top arquitetura, 2+2 pode ser 5, 10,
20, 100… com os mesmos recursos ou menos, se consegue muito mais e muito
melhor.
Porto Alegre não tem a
obrigação de aceitar essa proposta “vencedora” como legítima. Numa cidade que
presa pela democracia e participação, ela passou por cima de todo mundo.
Apoiá-la é apoiar a falta de ética professional, a falta de transparência na
seleção do projeto e a incompetência em gerar um design de qualidade.
Ao movimento “Quero Cais”, proponho que se unam ao movimento
“Quero Cais, mas Quero MAIS”.
Não aceitem qualquer coisa por
desespero que nada sai do papel. Em planejamento estratégico, não se olha só para o
passado para prever o futuro. O futuro não será igual ao passado. O futuro a
gente muda, o passado, não. Exatamente esse é o momento propício de se fazer a
coisa certa.
É preciso uma mudança de atitude, de exigir o que temos direito. A
população não pode esquecer que, num regime democrático, quem tem realmente o
poder é ela e não os representantes do governo. Estes receberam uma concessão
do poder pela própria sociedade. O
Brasil não é mais devedor, é credor, a situação hoje é outra. Portanto exijam
que o Cais seja feito da maneira correta, com uma competição internacional de aquitetura
aberta e transparente, e não se contentem com menos.
Caso contrário, nada irá mudar. Continuaremos a invejar as ruas limpas e
sem pichação dos países desenvolvidos, os carros de mudança automática acessível
a qualquer um e mais seguros nos países desenvolvidos, a segurança das ruas dos
países desenvolvidos, a escola pública exemplar dos países desenvolvidos, as
estradas de pista dupla dos países desenvolvidos, os trens dos países
desenvolvidos, a justiça rápida dos países desenvolvidos, etc, etc.
Na falta de outro, sigam o modelo de organização e seleção de Puerto
Madero, que é um passo para garantir um processo justo e tecnicamente correto.
Escolham pessoas competentes, honestas e altruístas para formar a comissão
representativa julgadora regida e orientada, obrigatoriamente, por um grupo de
vários arquitetos, de várias especialidades, do Brasil e do mundo. Não há como
fazer uma cirurgia sem médico.
A arquitetura não é, sozinha, a solução de todos os problemas sociais,
econômicos e ecológicos, entretanto ela dá condições à melhoria. Quando não
observada, entretanto, o efeito é a decadência da qualidade de vida nas
comunidades.
Unam-se. Concentrem-se nas suas similaridades e não nas suas diferenças.
Mantenham a mente aberta, cedam nas pequenas coisas e concentrem-se no
macro. Busquem no mundo afora os
caminhos já trilhados por outras cidades. Os
exemplos estão por toda a parte…
16. Referências bibliográficas:
Agnoletto, M. et al. Masterpieces of Modern
Architecture. New York: Barnes & Noble, 2006.
Barr, Jason. “Skyscrapers and Skylines: New York and
Chicago, 1885-2007”. Diss. Rutgers Univeristy, Newark, 2010.
Botey,
Josep M, Oscar Niemeyer, de V. C. Sáenz, and Graham Thomson. Oscar Niemeyer. Barcelona:
Gustavo Gili, 1996.
Bowman, Ann O'M., and Michael A. Pagano. Terra
Incognita: Vacant Land and Urban Strategies. Washington, D.C.: Georgetown
University Press, 232p. 2004.
Beatley,
Timothy. Green Urbanism: Learning from European Cities. Washington, DC: Island Press, 2000.
Dupré,
Judith. Skyscrapers. New
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·
17. Agradecimentos:
Arquiteta
e Urbanista Fabiana De Luca (Miami);
Arquiteta
e Urbanista Juliane Moraes (Miami);
Bacharel
em Turismo e Mestrando em Geografia UFRGS Otávio Augusto Diniz Vieira (Porto
Alegre);
Gilberto
Simon (Porto Imagem, Porto Alegre).
Roni Stundner (Porto Alegre)
18.
Background:
Adriana Schönhofen Garcia
Engenheira Civil, MScEng & MArq
CREA/RS 079889
Experiência: (1992 a 2011)
- Prática de Arquitetura, Engenharia e Supervisão de Obras;
- Professora Universitária em Arquitetura, Engenharia Civil, Engenharia
de Produção e Interior Design;
- Coordenação de projetos internacionais;
- Consultoria em Urbanismo e Arquitetura.
Educação:
- Mestrado em Arquitetura pela Florida International University, Miami,
FL.
- Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre,RS Concentração Gerência da Produção
- Bacharelato em Engenharia Civil pela UFRGS, Porto Alegre, RS.
- Técnica em Edificações pelo Escola Técnica Estadual Parobé, Porto
Alegre, RS.