Cais ©2010 Roni Stundner. All rights reserved. Usada com permissão.
Texto ©2015 Adriana Schönhofen Garcia. All rights reserved. Todos os direitos reservados. versão 4.0
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Antes de entrar no mérito
da reportagem publicada pela Zero Hora, dia 27 de setembro de 2015, gostaria de
tecer alguns comentários que julgo pertinentes para contextualizar minha
manifestação como profissional e, antes de tudo, cidadã.
Porto Alegre não tem a
obrigação de aceitar essa proposta “vencedora” como legítima. Numa cidade que
preza pela democracia e participação, ela passou por cima de todo mundo.
Apoiá-la é apoiar a falta de ética professional, a falta de transparência na
seleção do projeto e a incompetência em gerar um design de qualidade.
Além de tentar participar
da licitação, escrevi um texto com os pontos preocupantes do projeto. No dia 11
de novembro de 2011 enviei o artigo ao então Governador, ao Prefeito, a
todos os vereadores da Câmara. Em outra ocasião enviei a diversas secretarias
Estaduais e Municipais, apontando as irregularidades. Alguma coisa mudou? Nada.
(Ver texto “Cais Mauá: Por Que Um Só Vencedor?”
É assim que se faz projeto
de espaço público? Não. Primeiro ouvir a população, depois fazer concurso de
arquitetura e DEPOIS buscar os recursos e quem execute.
É preciso também
esclarecer à população que não basta citar exemplos de revitalização em outros
países, é necessário que se conheça o PROCESSO: como o projeto foi gerado e com
que objetivos?
Vamos as considerações
sobre sua entrevista:
1. “Se
esse pessoal que reclama tem um projeto tão bom, poderia ter apresentado na
licitação e vencido. Por que não fizeram isso?”
Primeiramente “esse pessoal”, além dos citados no artigo, são
acadêmicos, são engenheiros, são advogados, são geógrafos, profissionais de
diversas disciplinas, qualificados, com experiência tanto teórica como prática,
no Brasil e no exterior.
A primeira atitude do Consórcio deve ser respeitar
quem se manifesta contrário a esse projeto e não tratá-los como “esse pessoal”.
Só aí a empresa já revela o tom de desdém à população de Porto Alegre. Se não
nos respeitam como cidadãos, irão respeitar nossos anseios para o Cais? Não.
2. “[…] poderia
ter apresentado na licitação e vencido. Por que não fizeram isso?”
E quem disse que não tentamos concorrer para oferecer uma
contraproposta?
As barreiras foram várias. A completa análise crítica da
licitação e do projeto estão no texto escrito em dezembro de 2010 e enviado ao
Governador Tarso, ao Prefeito e a todos os Vereadores da época (Ver artigo
citado acima)
O fato da licitação ter só um
vencedor representa um fracasso administrativo em formulá-la realmente aberta e
internacional. Desde o princípio, as diretrizes que nortearam o processo
conduziam a esse resultado: a pobre escolha de uns poucos ou apenas um
vencedor.
Para Porto Alegre é vexatório ter só uma proposta.
É passar a noção de que o mundo não está interessado em nós e que existe apenas
uns poucos arquitetos e empresários que gostariam de desenhar e explorar a
área. Isso não é verdade. O fato de termos apenas um vencedor é resultado de
uma licitação mal elaborada, mal divulgada e mal conduzida.
Desde
de 2010, profissionais de Arquitetura, Direito, Engenharia e outros
questionavam como foi possível permitir que os mesmos profissionais e as mesmas
empresas que fizeram o estudo do projeto para o Cais, que serviu de base para a
licitação, foram também os vencedores? Essa pergunta não foi respondida. A lei
federal de licitações proíbe que participe da licitação quem tenha trabalhado
no estudo que definiu suas diretrizes. Só esse fato, por si só, já anularia a
licitação. Precisamos desta resposta.
2.a) O que diz a lei
de Licitações?
“O Art. 9 o incisos I e II da LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE
1993, que “[…] regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública”.
"Art. 9o Não poderá participar, direta ou indiretamente, da
licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles
necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou
jurídica;
II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela
elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja
dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do
capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou
subcontratado;
III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou
responsável pela licitação.
§ 1o É permitida a participação do autor do projeto ou da
empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou
serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de
fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da
Administração interessada.
§ 2o O disposto neste artigo não impede a licitação ou
contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo
como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.
§ 3o Considera-se participação indireta, para fins do disposto
neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial,
econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou
jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras,
incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários."
Não seria esse um vício de origem? A população de Porto Alegre precisa de respostas.
2.b) Também faltaram os anexos da licitação, que não foram
publicados no site do governo do
Estado juntamente com a licitação. E que quando solicitados não foram fornecidos.
Como competir com informação incompleta? Ao longo destes anos, várias pessoas
tentaram ter acesso a diversos tipos de informação e não foram atendidas.
Segundo manifestações durante a audiência pública de 18 de setembro de 2015, o
acesso à informação é direito garantido pela Constituição. Num país sério,
unicamente este fato já seria suficiente para anular a licitação.
2.c) O tempo de três meses entre o lançamento da licitação e a apresentação
da concorrência foi inexequível,
até porque não tínhamos o grupo empresarial montado. Apenas o vencedor tinha (uma
vez que já estava trabalhando por três anos no estudo, conforme informação na
mídia). Não tínhamos a parceria pronta de escritório de arquitetura, empresa de
engenharia e de gestão imobiliária.
Conseguimos
buscar parcerias, mas não foi possível fechar todos contratos e ainda
desenvolver o projeto no nível de detalhamento da licitação em apenas três
meses (que aliás até agora não foi mostrado pelo vencedor, até agora não se viu
o projeto com as exigências de detalhe exigidas).
Levantei
essas questões e outras num segundo artigo “Licitação do Cais Mauá e pontos
preocupantes” de 12 de agosto de 2010.
3. “Como
serão as torres e o shopping center, que têm provocado maior polêmica?
"Não chegamos à fase do detalhamento executivo
dessas áreas.” resposta `a reportagem.
As imagens da proposta
“vencedora” ainda são conceituais. Será que ela realmente cumpriu com o que foi
exigido? Onde estão os desenhos? Será que foram fornecidos em outubro de 2010?
E que critérios foram usados nos itens de avaliação? Que notas o projeto
recebeu? Como avaliar, por exemplo, a acessibilidade universal, item exigido na
licitação, sem desenhos?
4. “O que
temos é uma concepção arquitetônica, e os detalhes são esmiuçados no Projeto
Executivo,”
Verdade?
Então a licitação não está sendo cumprida no seu item IV, página 45 da
licitação?:
“IV- A Arrendatária deverá apresentar o Projeto Executivo, em plena consonância
com sua proposta de Metodologia de Execução, no prazo máximo de 120 dias (cento
e vinte dias) após a assinatura do Contrato de Arrendamento.”
O
contrato de arrendamento foi assinado em 23 de dezembro de 2010. Cento e vinte
dias depois foi dia 23 de abril de 2011. Estamos em setembro de 2015 e ainda
estão na concepção arquitetônica? Portanto, onde está o Projeto Executivo de
tudo? De todas as edificações?
5. “Não
há como gerar receita suficiente e pagar todos os custos apenas locando os
armazéns. Teremos um alto custo de manutenção, segurança do local, funcionários,
obras de esgoto, luz, água, e ainda vamos construir 10 praças, revitalizar uma
abandonada,
sem falar
no arrendamento que pagamos para o Estado.”
Precisamos de grandes investidores privados? Não. Abaixo
explico os porquês.
- Primeiramente, o Cais Mauá já
estava revitalizado. Revitalização não significa a construção de novas
edificações. Revitalização, no sentido amplo, significa a ocupação do
espaço público de modo positivo (não degradante) e acessível à toda
comunidade, não excludente. O Cais já acomodava a Ospa, o pier do Cisne
Branco, Bienais e a Feira do Livro. Morto total não estava. O que o Cais
precisa é de REFORMA, não revitalização.
- O valor da
recuperação das estruturas existentes, sem incluir restaurantes, novas
instalações e nem áreas externas, calculado com base no CUB da época e nas
áreas das edificações do Cais, fornecidas pelo próprio texto da licitação,
era de R$ 26.358.132,46 (valor de 2010). Portanto, o custo é realmente
baixo e não centenas de milhares de reais.
- De onde viriam os recursos para a reforma e manutenção?
O projeto atual do Cais
prevê a destruicão de pavilhões, porque não são tombadas. O que não é tombado
também tem valor e muito! O conjunto tem valor. Devemos mantê-los todos.
As previsões de
rendimento e geração de emprego de empreendimentos novos e padrões, como os dos
projeto do Cais em questão, são fáceis de calcular, de prever, Entretando
prever valores para a arquitetura de
excelência com a preservação da identidade de uma cidade entram no âmbito do
intangível, extremamente difícieis de serem previstos. Em tais situações
cria-se o efeito de 'bola de neve', devido às ramificações a diversas indústrias
de serviços e o surgimento de novas. Nem o melhor dos estudos econômicos
poderia prever que a unicidade na preservação arquitetônica de South Beach, por
exemplo, pudesse contribuir à geração de bilhões de dólares ao ano. Na dúvida,
preserve.
Miami Beach estava em decadência na
década de 1970, com níveis altíssimos de homicídios. A conversa dos empreeendedores era a mesma: destruir os prédios
baixos e construir torres de hotéis na Ocean Drive porque iria gerar empregos,
impostos de turismo, e que os prédios Art Deco não eram históricos, blá, blá,
bla’...
Destruíram vários, mas um movimento duríssimo da comunidade conseguiu
salvar a maioria do Art Deco District. Em 1976, Bárbara Capitman iniciou uma
campanha e formou a Miami Design Preservation League. Alguns prédios só foram
salvos porque as pessoas se amarraram neles. Hoje Miami Beach é fundamental na
geração de bilhões de dólares ao ano porque seu Art Deco District é único, é a
identidade da cidade, é um dos lugares mais visitados no mundo. Eventos,
filmes, turismo, fotografia, congressos, feiras de arte, nada disso existiria
se não tivessem sido preservados. A história prova que preservar é mais lucrativo.
E detalhe: a recuperação das estruturas foi feita pela própria comunidade, com
pequenos investidores privados.
Em 1979, “O Centro
Histórico Arquitetônico de Miami Beach (popularmente conhecido como o "
Art Deco District" e "Old Miami Beach") foi listado no Registro
Nacional de Lugares Históricos. Foi o primeiro distrito histórico do século 20
da nação.”
E a manutenção do Cais? Há necessidade de que o Cais
gere receita para se manter? Há necessidade que dê lucro? No caso do Cais há a necessidade
de que seja SUSTENTÁVEL economicamente, o que é uma visão social e não
comercial.
A locação dos espaços somada a doações de fontes
diversas podem manter o funcionamento e a manutenção do Cais. O fato de os pavilhões serem um conjunto de espaços
vazios, sem definição de funções, faz com que representem um exemplo
contemporâneo de uso, de espaço flexível.
Uma cidade precisa de espaços
flexíveis para acomodar diferentes eventos durante o ano inteiro. Porto Alegre
está entre as primeiras em número de feiras ao ano. Organizadores de feiras de
tecnologia, por exemplo, também manifestaram que desejavam realizar feiras no
centro, mas não haviam sido ouvidos na proposta atual. Essa manifestação
ocorreu na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, em 22 de junho de 2011. A audiência foi gravada.
Não há recurso? Há fund-raising, há fundações, há
filantropia, há o pequeno investidor internacional, há patrocinadores e há profissionais especializados em desenvolver
projetos de captação de recursos.
É inadimissível usar o termo dar “um presente” para a
população. Isso é uma atitude prepotente, não democrática. Não queremos apenas saber
o que tem dentro do pacote, queremos escolher o presente.
Não cabe, nos dias de hoje, com toda a metodologia de
gestão participativa existente no mundo, a exemplo da que é praticada há
décadas nos Estados Unidos e de tecnologia de software que permite a
colaboração de milhares de pessoas, que a população não tenha sido convidada a
participar.
Links de processo participativo praticado pelo
American Institute of Architects (AIA):
- Do site do IAB RJ, ARTIGO e VIDEO agosto de 2015:
“AIA investe no engajamento comunitário para planos
urbanos”
- Do site do IAB-RS, EVENTO em Porto Alegre, dezembro de
2014. Explicações detalhadas do processo participativo logo
após o convite:
“Dando poder à
comunidade através do Projeto democrático de cidade”
- Do site do IAB-RS, VIDEO do evento em Porto Alegre, dezembro de 2014:
“Dando poder à comunidade através do Projeto democrático de cidade”
- VIDEO: Exemplo de reconstrução de
Birmingham com a participação da comunidade. Essa metodologia é aplicada em
cidades de todos os tamanhos. Vejam como se ouve a comunidade: ANTES de
licitação.
“O melhor processo é aquele em que você usa seus ouvidos”, declara o
arquiteto no video (para ouvir a população).
Aceitar esse projeto não é
apenas ser A ou B, azul ou vermelho, gremista ou colorado, direita ou esquersa,
pró shopping ou contra shopping, etc.
Aceitar esse projeto é ser a
favor da violação de seus direitos: direito de participar, direito a um projeto
que aumente a qualidade de vida da cidade e o direito à informação.
Adriana Schönhofen Garcia,
Professora de Arquitetura, Engenheira Civil, Mestre em Arquitetura, Mestre em
Engenharia de Produção.
Praça de
São Marcos, Veneza (Porto Alegre)
©2015 Adriana Schönhofen Garcia. All rights reserved. Todos os direitos reservados.
Em 2002 o grupo Falos & Stercus fez muito sucesso e colocou muito público no galpão 09 do Cais do Porto com a temporada do espetáculo www,prometeu. O grupo foi retirado do local pelo governo Rigotto.
ReplyDeleteMuito obrigada pela importante contribuição! Abs, Adriana.
DeleteBrilhante colocação de ideias e propostas. PARABÉNS !!
ReplyDeleteMuito obrigada! Abs, Adriana.
DeleteInffelizmente, o Rio Grande no privilegia os bons filhos. Veja o exemplo de GRAMADO, CANELA, CAXIAS.Em primeiro lugar, LIMPEZA, muita limpeza, senão quem vai investir? O metrô é um processo de gente burra e atrasada. O cais do porto, outra anomalia técnica. E, haja dinheiro!
ReplyDeleteMuito obrigada pelo posting. Sim, concordo com você, a primeira coisa é a limpeza. Abs, Adriana.
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