Thursday, March 29, 2012

PORTO ALEGRE: EU QUERO MULTAR

Por Adriana Schönhofen Garcia, Eng. Civil, MScEng & MArch



EU QUERO MULTAR. Como educadora, quero multar. Como cidadã, quero multar. E não estou sozinha nisso, os que cumprem a lei estão sendo esmagados pelos que não cumprem. É frustrante não poder fazer nada. O trânsito de Porto Alegre precisa urgentemente da participação da comunidade para ser APAZIGUADO, na base da multa e da educação. Solicito à Prefeitura que crie o posto de POLICIAL COMUNITÁRIO.





O trânsito em Porto Alegre lembra o velho oeste, uma cidade sem lei. Ou melhor, com lei sem cumprimento. A fiscalização é insuficiente e infrigir as leis é atitude escancarada e corriqueira.  E, pasmem, o que é errado passa a ser aceito e adquire leis próprias: como os motoqueiros buzinando quando você muda de faixa por cruzar a área em que trafegam, entre os veículos. Ou quando buzinam atrás de você por parar num sinal de “Pare”.

Observo uma média de 5 infrações de trânsito em trecho de 15 minutos. Se consideradas as motocicletas, as infrações saltam para 15. Adicionando as infrações dos pedestres são mais umas 5. Portanto, quase 2 infrações por minuto! Um absurdo! Aí está a simples prova da falência do sistema atual de fiscalização do trânsito em Porto Alegre.


Em Porto Alegre, se não tem ninguém olhando para multar, as infrações ocorrem aos borbulhões. Os condutores são egocêntricos, só pensam no seu bem estar imediato e não no bem comum. Quando chamamos a atenção deles, suas atitudes são de crianças mimadas: ficam furiosos, esperneiam e esbravejam mesmo estando errados. Espanta-me que as pessoas dentro de um automóvel são as mesmas dentro de um supermercado, de um cinema, de um shopping. Por que viram bestas ao dirigir?

Em Miami, que não é cidade modelo, as infrações observadas são numa média de 1 por semana e olhe lá... O stress ao dirigir é mínimo. E as infrações são “decentes”, como excesso de velocidade na freeway, e não o ultraje de alguém te forçar marcha ré porque ele é que está na contramão numa rua de mão única!

Em Miami, não é necessário você ficar cuidando se cada carro ou moto irá passar por cima de você. Trafegar na contramão é uma das infrações mais frequentes no meu trajeto. Infração gravíssima, 7 pontos! Eu transporto criança. Eu quero ver esses indivíduos sem carteira, expurgados da via pública.
   


Espaço público caótico

O stress no trânsito de Porto Alegre não tem nenhuma necessidade de ser o que é. Os problemas básicos são:

- Pessoas mal-educadas, ignorantes, egocêntricas, rudes e irresponsáveis. Infratores crônicos que não se importam com nada e com ninguém, só consigo mesmos.

- Fiscalização do trânsito insuficiente. É necessário multa e mais multa e mais multa. De nada adianta um código de trânsito rígido e uma fiscalização branda a inexistente.

- Vias degradadas e obsoletas: buracos, depressões, falta de sinalização, sinalização apagada, pinturas na pista inexistentes, design de vias ultrapassados, trajetos ilógicos, pistas que começam e terminam sem aviso prévio, que estreitam e se alargam, remendos de asfalto nos paralelepípedos, ônibus em vias estreitas demais que não os comportam, excesso de vias de mão-única, excesso de estacionamento permitido, calçadas em estado de calamidade pública, sinaleiras e placas imundas, etc, etc, etc.

- Excesso de veículos e motos, resultado de transporte público deficiente e falta de infraestrutura alternativa que possibilite outros meios de locomoção (como metrô, bicicletas, patins, etc).


Os problemas são tantos, que o espaço público viário/pedestres em Porto Alegre se assemelha a um ninho de ratos. Isso é o resultado de falta de planejamento e ação continuada ao longo dos anos; falta de padronização; falta de sistema de manutenção preventiva associado a sistemas de qualidade, e de, obviamente, fiscalização efetiva.

Num espaço público caótico, onde todos competem pelo mesmo lugar (carros, carroças, caminhões, mulas humanas (catadores de lixo), ônibus fora do corredor, táxis, lotações, motocicletas, pedestres correndo no meio-fio, bicicletas e até skaters no contrafluxo) as condições primitivas impõem uma necessidade de sobrevivência a qualquer custo: é o ”Salvem-se quem puder!”

Os próprios serviços da Prefeitura adicionam ao stress. Exemplo: conserto de avenida deve ser feito de madrugada e não de dia: caminhão tapa-buracos gera um tranqueira imensa às onze da manhã. Não pode ser assim!


Fig. 1: Conserto ou remendo?: Os paralelepipedos desnivelados (à esquerda da foto) são marca registrada da capital gaúcha nas ruas de TODOS os bairros. Você dirige como se estivesse dentro de um liquidificador. Os remendos de asfalto estão por todas as partes. Neste trecho são três remendos diferentes. A definição dos trajetos de ônibus não leva em consideração se a pavimentação das vias é adequada para suportar o excesso de carga. Resultado: destruição do calçamento e o “conserto” ultrajante do remendo. Este status quo não pode durar por toda a eternidade. Vias como esta precisam ser REFEITAS, do zero, uma a uma, custe o que custar, com pavimentação adequada que requeira mínima manutenção por várias décadas. Porto Alegre, RS, Brasil.


Motocicletas

Se a morte não lhes importa, a mim importa. No decorrer de três meses presenciei três motoqueiros estirados na pista. Fiquei chocada. 99% das motocicletas trafegam entre os veículos e ainda buzinam para você sair fora do caminho delas quando você muda de faixa. O código de trânsito deve acomodar essa situação como infração. Em 2011 o número de mortes no trânsito aumentou em Porto Alegre, principalmente devido a acidentes com motos.¹

As motocicletas devem ocupar o espaço de um veículo e não trafegar no meio destes, costurando-os por todos os lados. Elas devem esperar no engarrafamento como os demais veículos. As vias não foram projetadas para acomodar essa terceira pista imaginária em que a motocicleta está transitando. Não há a mínima condição de segurança. Esta pista não existe e permitir essa situação é uso enjambrado da via e, portanto, irresponsabilidade do poder público.


Fig. 2: Pista inexistente: As vias são projetadas para dois veículos lado a lado e não três. Na figura acima a motocicleta não consegue passar e para. Em amarelo, pista projetada e, em vermelho, pista imaginária aproximada para circulação segura da motocicleta. O Código Nacional de Trânsito não deve permitir o trânsito de motocicletas sobre a linha tracejada além das necessidades normais de ultrapassagem e mudança de pista.


Estamos infestados de motocicletas que praticam a cada segundo manobras arriscadas em vias em péssimas condições. E as que ultrapassam junto ao meio-fio, pela direita? Eu nunca vi nada similar nos Estados Unidos em uma década e meia.


Fig.3: Motocicletas pela direita junto ao meio-fio: Infração corriqueira em Porto Alegre, RS, Brasil.

Porto Alegre está virando um Vietnã ou uma China? É esse o planejamento estratégico da Prefeitura para a cidade? Ou a inexistência de um?

Fig. 4: Caos: Motocicletas e veículos se amontoam sem condições de segurança. Porto Alegre, RS, Brasil.


Pedestres
Os próprios pedestres infringem o código de trânsito (e existe provisão na lei para multá-los). Mães com carrinhos de bebê ou crianças pela mão cruzam avenidas fora da faixa de segurança, estando a 10 metros dessa. A terceira idade faz a mesma coisa! Pedestres atravessam nas pontas extremas das paradas de ônibus do corredor. Absurdo em cima de absurdo.



O que fazer

EU QUERO MULTAR. Como educadora, quero multar. Como cidadã, quero multar. E não estou sozinha nisso, os que cumprem a lei estão sendo esmagados pelos que não cumprem. É frustrante não poder fazer nada. Essa vontade tem que ser transformada em energia produtiva. O trânsito de Porto Alegre precisa urgente da participação da comunidade para ser APAZIGUADO, na base da multa e da educação. Solicito à Prefeitura que crie o posto de POLICIAL COMUNITÁRIO.

O Policial Comunitário tem a condição única de conhecer sua comunidade e os pontos em que as infrações ocorrem com maior frequência. Com o tempo também reconhecerão que os infratores são os mesmos. Depois de uma ou duas multas seguidas esses motoristas cumprirão as leis, pois terão o conhecimento que se encontram no trajeto diário de um policial.

Por exemplo, a maioria dos infratores que dirigirem na contramão são os próprios moradores de ruas de mão-única. Observo os mesmos veículos, cometendo a mesma infração, no começo e fim do dia. Uma absoluta falta de ética e respeito pelo bem comum para encurtar tempo e combustível.





Fig.5: Infrator crônico: Motorista da Kombi pára embaixo de sinaleira, em cima da faixa de segurança, em local proibido parar e estacionar. Ele comete a mesma infração várias vezes na semana, no mesmo local, no mesmo horário, engarrafando a via. Embarca jovem com deficiência de locomoção. Cerca de 40 m da sinaleira há uma rua secundária onde ele deveria estacionar e aguardar o seu passageiro. Entretanto, ele acredita que o seu problema pessoal justifica a infração e descaso com os demais. Porto Alegre, RS, Brasil. 

 
Os Policiais Comunitários serão voluntários, pessoas da comunidade, sem antecedentes criminais, sem infração de trânsito em um ano, legalmente cadastrados, treinados em legislação e em como lidar com infratores. Basicamente, serão os agentes pacíficos, os peace keepers. Levarão indentificação pessoal com brazão e documento. Utilizarão seus próprios veículos, porém devidamente identificados, radar, leitor automático de placas, megafone, lampada externa e luz azul interna piscante (de uso exclusivo) para notificar os infratores.

A EPTC não tem condições de estar em todos os lugares  ao mesmo tempo. Se tivermos 5000 voluntários (e estou projetando por baixo), serão centenas de milhares de multas a mais diárias. A coisa vai se ajeitar, pode ter certeza. E os recursos destas multas deverão ser investidos em reconstrução da infraestrutura viária. Conversei com vários taxistas e eles ficaram entusiasmadíssimos com a idéia, seriam os primeiros a se registrar como policial comunitário.

Esse é apenas um dos componentes para melhoria do trânsito. Há outros componentes que devem ser atacados.

Ps: Escrevi este artigo antes da reportagem de hoje (28/03/2012) de capa de ZH. A noticia é boa, mas há muito mais a fazer:



¹ Gonzatto, Marcelo. “Infrator Acuado, EPTC aperta o cerco e multa 40% a mais.” Zero Hora 28 Março 2012, 2ª ed, 26.

13 comments:

  1. Oi, Adri. Teu material está muito bom, retratando a mais pura verdade e falta de bom senso por parte de todos os motoristas que agem de forma inadequada, muitas vezes desrespeitosa e grosseira. Vamos compartilhar sim, concordo com tudo que postaste. Valeu, Adriana.Bjos, conta comigo nessa luta. Vera Magnaguagno

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    1. Obrigada, Vera. Nós conhecemos bem essa realidade. Obrigada por compartilhar!

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  2. Excelente post... clap clap clap... excelente! Sou morador de SP e nunca estive em Porto Alegre, mas posso lhe afirmar que qualquer semelhança com a cidade em que moro não é mera coincidência...

    Levantamento de informações como deve ser feito. Imagens, relatos, detalhes, "explicações for dummies"... perfeito!

    Estou repassando esse link para todos os que eu conheço.

    Quanto ao policial comunitário... concordo plenamente, mas não acredito que existam tantas pessoas com a consciência correta para aplicar a lei sem pensar apenas "no próprio umbigo". Infelizmente. Mas de qualquer forma, são iniciativas assim que fazem valer as mudanças necessárias.

    Mais uma vez, parabéns!

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    1. Olá, Marcelo. Muito obrigada pelos seus comentários. Eles estimulam a escrever e cobrar das autoridades. Quanto às “pessoas de consciência correta” estas são a esmagadora maioria. As incorretas aparecem mais, mas são minoria. Se você pensar no nosso círculo de relações, por exemplo, quantas são desonestas e quantas são honestas? Se multiplicarmos isso para o mundo inteiro... O ebay, por exemplo, é baseado na confiança de que as pessoas façam comentários honestos sobre fornecedores. A confiança nas pessoas é que nos permite viver em sociedade. A idéia precede à ação e é possivel mudar sim, principalmente agora com as redes da internet. Abs e obrigada!

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  3. Adriana, Adorei sua materia!
    Excelente!
    Espero que haja algum tipo de repercursao pois, desta forma, caso ocorra mudancas, sua cidade podera se tornar exemplo para outras como a "endoidecida" e "mal criada" Sao Paulo!

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    1. Oi João. Obngada! Vou tentar convencer o pessoal aqui para que Poa dê o exemplo. : )

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  4. Olá Adriana,
    Bem-vinda pelo teu engajamento cidadão e estranhamento com nosso trânsito ao retornar à POA depois de anos no exterior!
    O ideal seria que todo motorista se educasse e vivenciasse as leis de trânsito antes de começar a circular, sem necessidade de multas. Mas, ao que parece, as regras só servem para responder ao teste de habilitação. E desconfio que, infelizmente, seja em que lugar for, disciplina no trânsito só se consegue pela dor no bolso.
    Abraços

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  5. Adriana, dê uma olhada neste vídeo - ele mostra muito bem como se comporta o típico motorista porto-alegrense. Acho que tu vai gostar. http://www.sinalvermelhocuritiba.com/manetices-gauderias-by-cecilio/

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    2. Obrigada Cecilio pelo link. Sim, eu vivo essa displicencia e desrespeito ao proximo todos os dias. A ideia da camera e' fantastica. Da' uma volta na Bento Goncalves no horario de pico... voce vera' coisas bem piores. A questao das faixas da Av Ipiranga e' questao tecnica. As pistas sao menores do que o minimo padrao. Enjambraram 4 pistas onde so' caberiam 3. Por isso que onibus e caminhoes nao cabem nas pistas e acabam ocupando duas, obviamente. A silanizacao no piso é caotica e as distancias para reducao de pistas ou conversoes nao sao vinculadas com a velocidade. Se quiseres conversar mais sobre o assunto, me mande um email. Abracos

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  6. Adriana. Assim como você eu vejo várias infrações e demonstrações de desrespeito e despreparo para o trânsito, seja quando ando de carro, seja quando conduzo minha moto. Porém, acredito que tu nunca tenhas andado de moto, pois tenho certeza de que no momento em que tu conduzisse uma motocicleta, tu mudarias de opinião sobre algumas coisas, como o uso do "corredor". Não gosto de usar o corredor quando o trânsito esta fluindo bem, apenas quando as coisas começa a ficar trancadas ou lentas. E te explico a razão: motos e carros são diferentes. A moto é o lado mais fraco, e ao se comportar de forma igual aos carros, ocupando o lugar de um como se carro fosse, leva a pior, acaba sendo fechado, empurrado ou espremido, pois no trânsito parece haver uma briga por espaço, e nessa briga, o lado mais fraco perde. Me sinto inseguro quando estou andando próximo aos carros, e meu instinto me manda me afastar deles. Por isso quando um sinal fecha, procuro ir lá pra frente, para não ficar no meio do bolo quando o sinal abrir. Dou minhas costuradas, mas procurando sempre não atrapalhar ou dar susto em ninguém, e ao fazer isso me sinto muito mais seguro do que ficando entre os carros. Motos foram feitas para agilizar, desafogar o trânsito. Imagine se cada moto ocupasse o lugar de um carro. É como se para cada uma delas aparecesse um carro em seu lugar. Haveria lugar para tantos carros? As ruas não ficariam ainda mais entupidas? Acredito que o problema é de falta de educação e a baixa qualidade do preparo dado pelas auto-escolas. Baseado na consciência de que errar faz parte do ser humano (claro, há váriso graus de erros, de pequenos a grosseiros e criminosos), eu já saio todos os dias com a consciência de que as pessoas "fazem e farão merda" (desculpe a palavra) todos os dias, e o que eu procuro fazer é um permanente exercício de antecipar os imprevistos (parece contraditório), ou seja, torná-los menos imprevisíveis, imaginar o que os outros podem fazer de errado e evitar assim se colocar em situações sem escapatória. Tornei isso tão automático que é natural para mim. Essa atitude é apenas uma das que deveria ser ensinada em uma matéria de "comportamento no trânsito" que deveria ser dada nas auto-escolas. Fazer isso é dirigir interagindo com os outros, é o contrário do que muitos fazem, dirigindo egoísticamente como se não houvesse mais ninguém na rua. Sobre as ruas não serem preparadas para o trânsito das motos entre as faixas, isso é um problema que se agravou com o estreitamento das faixas, essa sim uma verdadeira gambiarra. As faixas de trânsito antigamente eram mais largas, permitindo uma condução mais segura não só para motociclistas quanto para os carros. Mas os nossos governantes em vez de alargarem as vias, optaram pela barata "solução" de repintar as faixas, para ganhar mais uma faixa de rolamento. E hoje em várias vias os próprios motoristas de carros se sentem espremidos, e muitas vezes estas faixas mal comportam um ônibus ou um caminhão sem que este invada a faixa adjacente. Isso torna ainda mais difícil e perigosa a vida do motociclista. Isso às vezes força o motociclista a desistir do corredor e correr outro risco: se eu andar como um carro, e o motorista de trás me bater, o efeito não será um mero para-choque amassado, o resultado será uma queda e possível atropelamento. Motos e carros são diferentes, e devem se comportar diferentes, e há espaço para o convívio sadio entre ambos. Sei que há muitos motociclistas verdadeiramente sem noção por aí, principalmente os chamados moto-boys, mas da mesma forma muitos motoristas (e aí não dá pra esquecer dos taxistas) fazendo seus absurdos por aí. Pense nisso. Abraço!

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  7. Uau... Quarta-feira vou lá no IAB, tou precisando te conhecer ao vivo!

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